28 janeiro 2009

O Professor da Ministra

Recebi hoje por e-mail esta carta interessantíssima e de leitura obrigatória não só para todos os docentes deste país, mas para todos os cidadãos portugueses que se interessam pelos assuntos inerentes ao estado caótico da Educação em Portugal. Para além disso, e por se tratar duma carta quase íntima entre um ex-professor catedrático da actual Ministra da Educação, esta carta permito-nos concluir sobre o que está a ser feito desde que este Governo tomou posse em matérias da Educação e perspectivar o que ainda está para ser feito dentro do programa governamental. É uma leitura deliciosa, garanto-vos!

«Senhora Ministra da Educação,

Com respeito, mas com firmeza.

 

Minha querida Maria de Lurdes Rodrigues,

Ainda lembro esses dias que foi minha discente em Antropologia. Bem sei que é socióloga e que entende da interacção entre os membros de uma mesma cultura, ou, pelo menos, isso foi o que eu ensinei a si e aos seus colegas nos anos 90 do século passado, nesses dias em que o meu português tinha esse sotaque que aparece nas cinco línguas que estou obrigado a falar e que a Maria de Lurdes muito bem entendia e ajudava a corrigir para eu aprender mais. Ainda lembro a alegria das nossas conversas extracurriculares, no corredor do nosso ISCTE ou no meu gabinete, ao me referir à sua dedicação adequada e conveniente, para o estudo das suas outras matérias. Mais ainda, os comentários, do meu grupo de colaboradores de cátedra que comigo ensinavam, hoje todos doutores como a Maria de Lurdes, e os comentários dos meus colegas sociólogos em outras matérias. Especialmente, os do meu grande amigo João Freire, que orientou a sua tése. Se bem me reocrdo, connosco teve um alto valor como resultado dos seus estudos. Se bem me recordo, era do curso da noite no meu departamento e na nossa licenciatura. Por outras palavras, estudava, trabalhava para ganhar a vida e tomar conta da sua família. Por outras palavras também, era uma estudante trabalhadora e uma senhora devota e dedicada ao lar, como muitos dos seus colegas masculinos e femininos. A minha querida Maria de Lurdes aprendeu comigo e outros da minha cátedra, de que o tempo era curto, temido e não dava para tudo. Reuniões, falta de livros na biblioteca para estudar e investigar, o difícil que era entender a, por mim denominada, mente cultural dos estudantes e a dos seus pais, o inenarrável suplício de saber o que pensavam e os parâmetros que orientavam essas mentes. Não esqueço as suas queixas sobre os pedidos do Ministério da Educação que pesavam uma tonelada ideológica e estrutural, na organização dos trabalhos dos docentes primários e secundários, que nem tempo tinham para entender a mente cultural dos seus discípulos ao serem mudados todos os anos para outras escolas. O nosso convívio era aberto e directo. Estou feliz por isso. Aliás, feliz, porque pensava em silêncio: “cá temos uma futura grande educadora”. Apenas que, enveredou para a engenharia da interacção social, ao estudar com o meu querido amigo João Freire. E o problema nasceu. Os professores primários e secundários devem preparar as suas lições, como a Maria de Lurdes sabe, especialmente os do ensino especial ou inclusivo, que trata de estudantes com problemas de aprendizagem e precisam de trabalhar desde as 8 da manhã até por vezes às 9 da noite. Esse ensino inclusivo de João de Deus, da Subsecretária de Estado, Ana Maria Toscano de Bénard da Costa, da sua colega no saber e no posicionamento partidário do Ministério da Educação, a minha grande amiga Ana Benavente, ou do meu outro grande amigo, o seu colega ideológico e no cargo de Ministro da Educação em 2000, Augusto Santos Silva, que nos foi “roubado” ao passar para a vida política.

Lembro-me, ainda, como simpatizava com a minha luta de socialista Allende, por outras palavras socialista orientado pelas ideias históricas de Marx, tal e qual Durkheim e Mauss, mencheviques, colaboradores de Lénin para derrubar o regime injusto e arbitrário dos Romanoff, como demonstro no meu livro de 2007, da Afrontamento: A Dádiva, essa grande mentira social, do qual lhe enviarei uma cópia, escrito calmamente, para comentar o que comentava consigo como minha discente, os atropelos dos czares serem semelhantes ao do ditador do Chile, quem entregara as escolas às juntas de freguesia, denominadas municípios, e obrigava a relatórios semanais para controlar a docência do Chile e assim obter o prometido: “nem uma folha mexe no Chile sem o meu consentimento”. Ainda lembro os seus comentários horrorizados: “Senhor professor, é mesmo assim? Que horror. Os professores já sabem, para quê avaliá-los mais, e obrigar a reestudar o que já é sabido nos seus tempos para a família, preparação de aulas e merecido descanso”. A Maria de Lurdes esqueceu acrescentar, nessas nossas conversas, que os docentes eram avaliados pela educação que recebiam os seus filhos. Mas, como boa engenheira da sociedade, entendia que os sindicatos deviam protestar quando o poder ultrapassa o afazer, já imenso e pesado, dos docentes, especialmente, do ensino especial e inclusivo, e os de classe social.

Maria de Lurdes, tenho estado interessado, como etnopsicólogo, nas recentes notícias sobre a Educação em Portugal. Foi preciso adiar a entrega de teses dos meus mestrantes, para não cair na armadilha de uma especial ditadura, pura e dura, como no Chile de Pinochet. De certeza, deve haver um engano em certos sítios. Maria de Lurdes, se a pessoa Ministro da Educação sabe que é preciso entender essa mente cultural de estudantes e os seus pais, sabe também como um dado adquirido, que esse facto acontece apenas pela necessidade de se prepararem os docentes para ensinar. Como educador, conheço bem essa preparação, tal e qual a Engenheira Social, especialidade que a louva, sabe que já está tudo preparado faz tempo, para a divisão do trabalho, sem acrescentar mais deveres aos docentes primários e secundários, que vivem em sessões que atrasam e arrasam a sua preparação de lições, hostiliza aos sindicatos e, além do mais, importamos desde o Chile esse modelo puro e duro já referido, da morta ditadura. Ou, reabilitamos a nossa em Portugal e tiramos os cravos das espingardas do 25 de Abril.

Com carinho, com respeito, mas com firme persistência, do seu velho Professor, a se restabelecer duma doença que mata rapidamente, especialmente se não falamos pelos nossos.

Os meus parabéns. Foi-nos roubada, como presidenta do nosso isctesiano Conselho Científico, para entrarmos todos em sarilhos muito disputados, que causam esta conversa nossa de corredor, desta vez, em formato de papel, uma carta para si, escrita com carinho, mas com firmeza em prol dos professores portugueses.

Abraço querido e, como era habitual, um beijinho para si!, do seu recuperado velho professor.

 

Professor Doutor Raúl Iturra

Catedrático de Antropologia sempre no activo, membro do Centro de Estudos em Antropologia Social, CEAS/ISCTE,

Membro de Honra do CNRS, Paris, Professor Visitante do Collége de France

e Membro do Senado da Universidade de Cambridge.

8 de Março de 2008, denominado Dia Internacional da Mulher

 

Nota: A ideia e o texto são da inteira responsabilidade de Ana Paula Vieira da Silva (apenas fixou o Português deste texto irónico e destemido)»

 

in, Jornal A Página da Educação (http://www.apagina.pt), 2008

 

Tenho dito! Fui!